segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cerveja de cocheiros

O universo da degustação pode ofecer surpresas curiosas. No último inverno tive uma dessas experiências, quando pude provar pela primeira vez a belga Kwak, produzida pela Bosteels (Deus, Tripel Karmeliet). Trata-se de uma golden strong ale belga (18D ), de sabor marcante, destacando-se um certo tom de mel com força no lúpulo, cor âmbar e espuma consistente, característicos do estilo.

A despeito do seu maravilhoso sabor, não são especificamente suas qualidades sensoriais que chamam a atenção daqueles que pela primeira vez encontram esta cerveja. A grande surpresa está no recipiente em que é servida.

É sabido que, em se tratando de cervejas de qualidade, os copos escrevem um capítulo a parte. Há formatos específicos para cada estilo, para não dizer para cada cerveja, como a tulipa personalizada para a Duvel (em outro post falo sobre esta bela história). Mas poucos espécimes causam tanto estranhamento.

A primeira impressão é a de uma peça perdida de um laboratório de química (alguns chamam-no, por isso, de tubo de ensaio). A forma de uma meia ampulheta, com pescoço longo terminando em uma base em forma de gota, lembra os famosos copos de chopp de metro, porém bem mais curto. Mas, como se não bastasse o inusitado formato, ele ainda é servido com um suporte de madeira, que tem uma função muito importante: manter o copo de pé.

Sua história, publicada no site da cervejaria, explica toda essa arte. Diz-se que no período napoleônico, os cocheiros paravam em frente à estalagem “De Hoorn”, de propriedade de Paul Kwak, para descançar e tomar suas cervejas. No entanto, estes eram proibidos de abandonar seus postos para refrescar suas gargantas. Um criativo e cuidadoso atendente do bar criou, então, um copo que podia ser pendurado na carruagem, em segurança, mesmo que esta estivesse em movimento. Daí seu formato que retém maior quantidade na base podendo ser apoiada na carruagem. Para garantir a forma, nos dias atuais, manteve-se o apoio de madeira que substitui a carroça.

Quando servida, após o estranhamento inicial, vem a dúvida: o que fazer agora? Como beber a cerveja? Bem, sem dúvida o suporte é necessário, como eu já disse, para manter o copo de pé. Mas não dá para usá-lo durante a degustação. Além de pesado, fica-se a sensação de que o copo irá cair a qualquer momento. O melhor é retirá-lo do suporte e apoiá-lo nas mãos, a uma certa altura do pescoço, para não esquentar demais a cerveja, é claro.

Apesar de diferente, esse copo não é tão incomum. Aqui em Goiânia esta bela cerveja pode ser encontrada servida no seu recipiente apropriado na Belgian Dash.

Ao contrário de outros copos, este não oferece, pela sua forma, muito mais do que seu valor histórico, sendo mais apropriado, para apreciar seus valores olfativos e gustativos, uma tulipa tradicional com boca mais fechada para reter os aromas e concentrar a espuma. Mas quem ousaria dispensar o prazer de degustar esta obra-prima em sua forma original e experimentar a sensação de estar à beira daquele bar belga do século XVIII? Eu não.

WBandeira †


 
 

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