quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Uma cerveja pra chamar de sua

Beer Evangelização
Beer Evangelização
Imagine-se o leitor em visita àquele restaurante que há tempos queria estar. Após acomodar-se, chega o maître, pimpão, a lhe oferecer o menu. Ao abrir a carta, vem a surpresa: só há… arroz! Páginas a fio, arroz, e nada mais. Ante a pergunta a respeito da monotonia de opções, o maître não entende a estupefação. Afinal, todo mundo está acostumado há anos a só pedir… arroz, ora!

A cena, embora surreal, se transportada para o mundo das cervejas, transmuta-se em realidade, pelo menos deste lado do Equador. Há décadas o brasileiro está habituado a aceitar passivamente que apenas uma variedade de cerveja é possível: a Pilsen, aquela “loira gelada” do boteco, a ser bebida despreocupadamente e com imensas doses de desatenção. Pra uns e outros, nem mesmo importa a marca, é “tudo igual” mesmo… É a “cerveja arroz”.

A ótima notícia é que esse árido cenário vem mudando a galope. A cada minuto, mais e mais brasileiros se dão conta que existem nada menos que, respire, 120 estilos diferentes no panteão da variedade de cervejas. Desde a Idade Média, faz-se na Europa brejas com os mais diversos e inimagináveis ingredientes além do malte de cevada. Há cervejas com café, mel, cereja, framboesa, limão, abóbora, mandioca, gengibre, chocolate. Os métodos de fabricação mais diferentões incluem maturação em barris de carvalho, fermentações espontâneas com leveduras selvagens ou até mesmo remuages e degorgèes próprios da elaboração dos grandes vinhos. Até mesmo a velha classificação “cerveja clara” ou “cerveja escura” já há muito caiu em franca decadência, eis a imensa variedade de coloração dos diferentes estilos do líquido. Assim, a velha “loira” pode hoje também ser ruiva, vermelha, ocre, rósea, branca como leite ou até mesmo verde como a relva, com milhões de aromas, sabores e texturas diferentes. Vive la différence!

A exemplo do que ocorreu com o vinho há alguns anos, o despertar do brasileiro acerca das cervejas ditas “especiais” vem crescendo exponencialmente a reboque das importações cada vez mais numerosas. Hoje, por aqui, estima-se que já existam cerca de 700 rótulos importados disponíveis, e o número vem crescendo a cada mês. Está em cena, ainda, uma silenciosa explosão de microcervejarias artesanais em solo nacional, elaborando cervejas nobres, muitas das quais em nada são devedoras às melhores europeias. Ora, direis, e os preços? A regra geral, que vale pra tudo – incluindo a cerveja – é que melhor qualidade implica em maior preço. Todavia, basta ter um pouco mais de discernimento pra descobrir ótimas cervejas por valores surpreendentemente baixos, beirando mesmo os preços das brejas “premium” industriais. Com o perdão do clichê, há cervejas para todos os bolsos.

Essa verdadeira revolução de costumes gastronômicos já se faz sentir nas gôndolas dos supermercados, empórios e bares e restaurantes mais antenados. Se há oferta, deduz-se que há procura. E a demanda crescente por esses produtos diferenciados traduz-se em números que impressionam. No Brasil, de acordo com os dados da Nielsen, o mercado de cervejas especiais cresceu 115% em 2009, atingindo R$ 1,4 bilhão em vendas, enquanto que a procura pelas cervejas “comuns” subiu apenas 23%.

Cada tipo de cerveja tem o seu momento adequado – mesmo a velha Pilsen do boteco. A propaganda das grandes cervejarias ainda vai continuar abastecendo as mentes nacionais com a idéia marginalizada da cerveja pra ser consumida em grandes quantidades e ao ponto do congelamento. Entretanto, a silenciosa porém contínua mudança de hábitos de consumo dos brasileiros está aí, e não adianta ignorá-la. Cada vez mais pessoas se dão conta da miríade de opções existentes de sabores das cervejas, e a curiosidade move o mercado. Pela primeira vez, não há apenas arroz no cardápio!

Mauricio Beltramelli é Mestre em Estilos de Cerveja e Avaliação formado pelo Siebel Institute de Chicago (EUA) e editor do BREJAS, hoje o maior portal sobre cervejas na Internet brasileira.

FONTE: Publicado por Mauricio Beltramelli em 23/11/2010 em Artigos e Beer Evangelismo
http://www.brejas.com.br/blog/23-11-2010/cerveja-pra-chamar-de-sua-7423/
http://www.brejas.com.br/

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Iniciativa pioneira de mineiros anima produtores de cerveja

Experimento desenvolvido no estado mostra potencial para o país ter fonte própria de levedo, substituindo similares europeus usados na produção da bebida.

Água, malte, lúpulo e levedo. São apenas quatro os ingredientes básicos para se fazer cerveja, ainda que suas dezenas de estilos façam supor o contrário. À exceção da água, praticamente tudo é importado para a fabricação da bebida no Brasil, quadro que pode mudar a partir de agora, graças à iniciativa pioneira de pesquisadores e produtores mineiros no estudo sobre o uso de levedo de cachaça na fermentação da cerveja, substituindo cobiçados similares europeus. Mais do que mera questão de custo, está em jogo a possibilidade de o país mostrar potencial como fonte de matéria-prima única no mundo.

Levedos são fungos microscópicos. Durante o processo de produção da cerveja, são adicionados aos bilhões ao mosto (o malte macerado com água quente) para desencadear o processo de fermentação, durante o qual são originados o álcool e o gás carbônico. Além disso, é justamente nesse momento que surgem compostos secundários (álcoois superiores e ésteres) fundamentais na formação de aromas da bebida. Há centenas de tipos de levedos, sendo que a minoria é adequada para esse uso. Um deles está presente no mosto de fermentação da cachaça mineira.

A primeira cerveja elaborada com levedo de cachaça produzida em Minas Gerais foi feita recentemente na cervejaria-escola Taberna do Vale, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Batizada de Carolweiss, é uma cerveja de trigo desenvolvida pelo cervejeiro Felipe Viegas e pelo farmacêutico José Eduardo Marinho. A ideia surgiu há dois anos, durante palestra de Rogélio Brandão, professor do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e sócio da Cerlev, empresa que presta serviços na área de fermentação. Atualmente, ele prepara um estudo a ser desenvolvido no curso de mestrado sobre a ação de diferentes levedos de cachaça no mesmo mosto de cerveja.

A partir daí, José Eduardo foi buscar num alambique da fazenda do pai, em Mariana, a 110 quilômetros da capital mineira, o insumo para o experimento. Coletou amostra no local e fez a cultura para multiplicação do levedo. Ao eliminar bactérias nocivas e outros micro-organismos desnecessários e menos resistentes, isolou completamente um único tipo de levedo. Antes de usá-lo, foi preciso realizar a transição, já que estava "habituado" a fermentar sempre o açúcar da cana e não o do malte. Sucessivas gerações do mesmo levedo foram cultivadas por dois meses em mosto de cerveja com nível cada vez menor de açúcar de cana.

O levedo que obtiveram é capaz de fermentar naturalmente mosto formado só por malte, prova de que já está pronto para ser usado na fabricação de cerveja. Os resultados surpreenderam Felipe e José Eduardo: a cerveja ficou com teor alcoólico maior que o habitual – 5,5%; 0,2% a mais – e a fermentação, que demora cerca de seis horas para começar, teve início em duas horas. "Alguns levedos são neutros e fermentam bem vários estilos de cerveja, o que não foi o caso deste. Testei-o numa Pale Ale e não deu certo. Por enquanto, mostrou que trabalha bem em cervejas de trigo dos tipos clara e bock", explica Felipe. Na bock de trigo, a diferença na graduação de álcool foi ainda maior, 0,5% a mais. Ale é a denominação usada para a família de cervejas de alta fermentação e Pale é um subgrupo de bebidas da família Ale. Já a cerveja bock é aquela com baixa fermentação, cor mais escura e sabor mais forte.

Ameixa e macia

Em termos de sabor, as cervejas de trigo que a dupla produziu apresentam características aromáticas semelhantes às que teriam se tivessem sido feitas com o levedo tradicional do estilo, mas com alguns toques diferentes. Na versão clara, o levedo de cachaça conferiu surpreendente nota de maçã, enquanto na bock houve predominância do aroma de ameixa seca sobre os de banana, passa e cravo – exatamente o contrário do que seria esperado no método habitual. São características que as tornam únicas no mapa-múndi cervejeiro. Por enquanto, nenhuma está à venda.

Por esse motivo, Felipe não descarta a hipótese de pleitear reconhecimento da "weiss mineira" no Beer Judge Certification Program (BJCP), entidade autora do guia de estilos de cerveja mais adotado no mundo. "Na Argentina, estão desenvolvendo um estilo próprio, chamado dorada pampeana, que querem aprovar no BJCP. É uma cerveja lager (denominação usada para a família de cervejas de baixa fermentação) com malte pilsen cultivado lá. Por que não fazer o mesmo com a nossa cerveja?", questiona. Os próximos passos, revela, serão desenvolver cervejas ainda mais alcoólicas (até 13%) com esse levedo e testar variedades coletadas em alambiques de outras regiões de Minas Gerais.

FONTE: Eduardo Tristão Girão - Estado de Minas -  Publicação: 15/11/2010 09:30 Atualização: 15/11/2010 09:54
http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2010/11/15/interna_tecnologia,192493/iniciativa-pioneira-de-mineiros-anima-produtores-de-cerveja.shtml

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cerveja de cocheiros

O universo da degustação pode ofecer surpresas curiosas. No último inverno tive uma dessas experiências, quando pude provar pela primeira vez a belga Kwak, produzida pela Bosteels (Deus, Tripel Karmeliet). Trata-se de uma golden strong ale belga (18D ), de sabor marcante, destacando-se um certo tom de mel com força no lúpulo, cor âmbar e espuma consistente, característicos do estilo.

A despeito do seu maravilhoso sabor, não são especificamente suas qualidades sensoriais que chamam a atenção daqueles que pela primeira vez encontram esta cerveja. A grande surpresa está no recipiente em que é servida.

É sabido que, em se tratando de cervejas de qualidade, os copos escrevem um capítulo a parte. Há formatos específicos para cada estilo, para não dizer para cada cerveja, como a tulipa personalizada para a Duvel (em outro post falo sobre esta bela história). Mas poucos espécimes causam tanto estranhamento.

A primeira impressão é a de uma peça perdida de um laboratório de química (alguns chamam-no, por isso, de tubo de ensaio). A forma de uma meia ampulheta, com pescoço longo terminando em uma base em forma de gota, lembra os famosos copos de chopp de metro, porém bem mais curto. Mas, como se não bastasse o inusitado formato, ele ainda é servido com um suporte de madeira, que tem uma função muito importante: manter o copo de pé.

Sua história, publicada no site da cervejaria, explica toda essa arte. Diz-se que no período napoleônico, os cocheiros paravam em frente à estalagem “De Hoorn”, de propriedade de Paul Kwak, para descançar e tomar suas cervejas. No entanto, estes eram proibidos de abandonar seus postos para refrescar suas gargantas. Um criativo e cuidadoso atendente do bar criou, então, um copo que podia ser pendurado na carruagem, em segurança, mesmo que esta estivesse em movimento. Daí seu formato que retém maior quantidade na base podendo ser apoiada na carruagem. Para garantir a forma, nos dias atuais, manteve-se o apoio de madeira que substitui a carroça.

Quando servida, após o estranhamento inicial, vem a dúvida: o que fazer agora? Como beber a cerveja? Bem, sem dúvida o suporte é necessário, como eu já disse, para manter o copo de pé. Mas não dá para usá-lo durante a degustação. Além de pesado, fica-se a sensação de que o copo irá cair a qualquer momento. O melhor é retirá-lo do suporte e apoiá-lo nas mãos, a uma certa altura do pescoço, para não esquentar demais a cerveja, é claro.

Apesar de diferente, esse copo não é tão incomum. Aqui em Goiânia esta bela cerveja pode ser encontrada servida no seu recipiente apropriado na Belgian Dash.

Ao contrário de outros copos, este não oferece, pela sua forma, muito mais do que seu valor histórico, sendo mais apropriado, para apreciar seus valores olfativos e gustativos, uma tulipa tradicional com boca mais fechada para reter os aromas e concentrar a espuma. Mas quem ousaria dispensar o prazer de degustar esta obra-prima em sua forma original e experimentar a sensação de estar à beira daquele bar belga do século XVIII? Eu não.

WBandeira †